Este blog tem por objetivo divulgar as idéias e as pesquisas do economista Sérgio Gobetti e criar um espaço para o debate em torno de vários temas relacionados à política econômica e às finanças públicas brasileiras.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A polêmica das reservas cambiais

Minha singela nota da semana passada perguntando e discutindo "o que explica a dívida pública" gerou um debate acalorado no blog do jornalista Fernando Rodrigues, que destacou a informação por mim apresentada de que as reservas cambiais já custaram R$ 175 bilhões aos cofres públicos desde 2003. A maioria dos leitores do blog do Fernando sequer teve o trabalho de ler o contexto no qual apresentei este número, que por sinal não é meu, mas do Banco Central (apenas tive o trabalho de fazer algumas somas), e só é publicado desde 2003 por causa de uma determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O propósito de apresentar o custo das reservas era provar que a dívida pública não cresce apenas por déficit público, como parece ser o senso comum disseminado no país. Provei que menos da metade do aumento do endividamento desde 2001 decorre de gastos (incluindo juros) maiores do que receitas. Atualmente, o principal fator por trás da emissão massiva de títulos públicos pelo BC são a política monetária e cambial.
Ressaltei que não estava discutindo até que ponto o atual nível de reservas era ou não o necessário - de fato essa não é uma discussão simples. Mas o custo dessa política é muito caro e precisa ser conhecido pela sociedade para que se faça um debate democrático sobre o assunto.
É muito diferente acumular reservas na China, onde o custo disso é baixíssimo (e o câmbio é quase-fixo), do que fazer o mesmo no Brasil, que tem uma das maiores taxas de juros do mundo e ainda sofre com a apreciação cambial.
Este blogueiro concorda que é muito difícil definir qual o ponto ideal das reservas, mas opina que o atual nível de reservas está acima do necessário para que o país se proteja de crises cambiais. Na prática, o governo só tem acumulado mais reservas (comprando dólares financiados por títulos públicos) porque precisa conter a queda do dólar. Esse é o resultado do atual des-regime cambial mundial.
O que parece cada vez mais evidente, inclusive para o governo, é que a política para enfrentar a supervalorização da moeda doméstica não pode se restringir à compra passiva de dólares, como faz o BC. Por isso, foi introduzido o IOF nas operações de bolsa e renda fixa com capital externo e por isso muitos economistas (tanto de situação quanto de oposição) vêem a necessidade de medidas complementares na área cambial.
É importante ter isso em mente porque, no futuro do pré-sal, a pressão cambial decorrente da entrada dos petro-dólares será ainda mais forte. Para resumir, só há uma forma de desatar esse nó: a taxa de juros continuar caindo. Nesse caso, o custo de acumular reservas ou manter um fundo soberano no exterior é bem menor, a liquidez da economia pode ser ampliada e o governo pode resgatar os títulos públicos em mercado. Sem queda de juros, fica difícil.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O que explica a dívida pública? Déficit ou...

Os manuais de economia costumam dizer que a dívida pública cresce quando o governo incorre em déficits. O raciocínio é simples: se eu gasto mais do que arrecado, preciso me endividar para cobrir o buraco. A emissão de títulos públicos é o mecanismo pelo qual o governo se financia: o banco compra um título do governo e, em troca, recebe o pagamento de juros por esse título.
O que os manuais não costumam ressaltar é que a dívida pública não se presta apenas ao financiamento de déficits. Ela também pode servir para a política monetária e para a política cambial.
Como pode servir para a política monetária? Quando o BC quer retirar reais de circulação da economia, ou porque acha que existem pressões inflacionárias ou porque simplesmente os bancos estão com sobra de dinheiro, ele emite títulos públicos. São as chamadas operações compromissadas. O BC troca títulos por reais, e a Viúva paga os juros.
E a política cambial? Quando o governo quer tentar evitar uma apreciação da taxa de câmbio (queda do dólar), ele vai ao mercado comprar dólares. Mas com quais reais compra esses dólares. Com os reais obtidos novamente por meio de operações compromissadas. A Viúva, mais uma vez, é que paga.
Bem, mas o que tem ocorrido no Brasil nos últimos anos? Os dados do BC mostram que a dívida pública interna cresceu de R$ 506 bilhões em 2001 para R$ 1,86 trilhão em 2009. A expansão da dívida foi, portanto, de R$ 1,36 trilhão.
Qual foi, no mesmo período o déficit nominal do setor público, ou seja, o déficit total, incluindo o custo dos juros? De acordo com o mesmo BC, o déficit foi de R$ 619 bilhões, ou seja, menos da metade da expansão nominal da dívida interna (lembrando que parte dos juros embutidos nos R$ 619 bilhões não se deve também ao componente fiscal).
O resíduo não explicado pelo déficit é de nada mais nada menos do que R$ 736 bilhões. A explicação para isso deve ser buscada, portanto, em outras esferas da política econômica que não a fiscal. É verdade que existem as chamadas operações para-fiscais do Tesouro, como as recentes operações com o BNDES, mas elas não explicam nem 20% dos R$ 736 bilhões.
A explicação tem de ser buscada nas políticas monetária e cambial, que fizeram as operações compromissadas crescer de algo próximo de zero em 2001 para R$ 454 bilhões em 2009. Ou seja, a dívida tem crescido não porque os gastos públicos crescem mais do que as receitas (o superávit primário acumulado desde 2002 soma R$ 567 bilhões), mas porque o BC passou a emitir títulos para conter a liquidez da economia e para comprar dólares.
As reservas cambiais são ativos do governo, mas seu rendimento é muito inferior (quando não negativo) ao que o governo paga de juros pelos títulos no mercado. O próprio BC explicita em seus balanços o custo de manutenção das reservas desde 2003. Este blogueiro teve o trabalho de abrir um por um dos balanços e eis qual resultado encontra: R$ 175 bilhões de prejuízo acumulado desde 2003 por conta das reservas cambiais.
Não estou discutindo aqui até que ponto era necessário adquirir reservas, nem se isso serviu ou não para controlar a taxa de câmbio. Como também não estou discutindo aqui se o BC não exagera em atender as demandas dos bancos por títulos públicos. Essa é outra conversa. Mas saibamos o custo dessas políticas, assim como sempre somos lembrados do custo de outras políticas públicas que implicam aumento de gasto.