Este blog tem por objetivo divulgar as idéias e as pesquisas do economista Sérgio Gobetti e criar um espaço para o debate em torno de vários temas relacionados à política econômica e às finanças públicas brasileiras.

sábado, 26 de junho de 2010

PT e Capitalismo de Estado

Cresce entre alguns analistas e economistas (simpáticos ao governo, inclusive) a impressão de que as operações de capitalização do BNDES pelo Tesouro Nacional (R$ 100 bi), a expansão dos bancos públicos e a esperada mega capitalização da Petrobrás não seriam medidas ocasionais, decorrentes ou da crise internacional ou de necessidades conjunturais (como o pré-sal), mas fariam parte de uma estratégia - semelhante de alguns países asiáticos - de construir no Brasil uma espécie de Capitalismo de Estado. Ou seja, uma economia capitalista, de mercado, mas com fortíssima presença do governo e não apenas naquilo que os liberais consideram essencial ou na regulação defendida pelos neokeynesianos.
Nessa economia, as estatais assumem um peso determinante, ao lado de grandes conglomerados privados. Na verdade, estatais e grandes conglomerados atuam lado a lado, de forma associativa e não concorrencial, pelo menos não no sentido que costumamos interpretar a concorrência - o de disputa e, em alguns casos, de eliminação do mercado.
É isto que sinalizaria, por exemplo, a intervenção do governo (via BNDES) para concentrar o negócio de carnes nas mãos do JBS e da Perdigão-Sadia, o negócio da telefonia nas mãos da Oi, o da celulose na Votorantim-Aracruz e o da petroquímica na Odebrecht-Braskem.
Se essa estratégia de alavancagem do crescimento vai dar certo ou não no Brasil não sei (para se igualar aos asiáticos faltaria uma mudança na política cambial e uma intervenção muito mais forte no sistema educacional), mas ela é bastante polêmica, tanto para a direita quanto para a esquerda. A direita pelos motivos óbvios. A esquerda porque trata-se de dinheiro público para e associação com conglomerados capitalistas. Como diferencial em relação aos asiáticos, entretanto, o governo do PT contrabalançaria essa aliança com a manutenção dos programas sociais e da estrutura de welfare state.
PS: este autor não está se posicionando, por ora, sobre a questão (que envolve não só um debate econômico, mas também ideológico), mas achou interessante apresentar a tese neste blog para que as pessoas reflitam sobre ela.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Poupança e crescimento ou crescimento e poupança?

A mídia e os analistas têm voltado à carga com críticas à baixa taxa de poupança do Brasil. A crença disseminada é de que o Brasil e os brasileiros (setor privado e público) precisam poupar mais (ou deixar de consumir) para investir e fazer o país crescer. É como um trabalhador que quer construir sua casa e se endivida. Se ele não poupar para pagar sua dívida, vai acabar tendo problemas...
O raciocínio é perfeito para um indivíduo, mas nem tudo que é correto para as finanças pessoais se aplica automaticamente a uma economia monetária como a capitalista. Uma empresa capitalista, quando pretende crescer, não deve necessariamente constituir poupança prévia - pode contrair empréstimos, se endividar, para investir e se expandir. Os seus investimentos financiados por dívida hoje é que gerarão os lucros e a poupança de amanhã. Como dizia o economista polonês Kalecki, o trabalhador gasta o que ganha e o capitalista ganha o que gasta.
Além disso, na economia capitalista, os agentes que poupam não são os mesmos que investem. De modo que o ato de poupar (ou de não gastar) não garante que haverá o correspondente investimento. Portanto, a alegada restrição de poupança para o crescimento não é trivial.
Mesmo nos países asiáticos, conhecidos por suas altas taxas de poupança e crescimento, não há suficiente evidência empírica em favor da tese de que a poupança causa o crescimento. Alguns estudos econométricos já realizados há algum tempo pelo economista Sebastian Edwards (ortodoxo, por sinal) mostram que a causalidade seria em sentido contrário: do crescimento para a poupança.
Independentemente da polêmica teórica, entretanto, é importante que baixemos à Terra para fazer a discussão. Será que, se aumentássemos a taxa de poupança no Brasil pela via do corte dos gastos públicos correntes (como defendido pela maioria dos analistas do mercado) obteríamos um maior crescimento? Provavelmente não, principalmente se o corte de gasto se aplicasse sobre os benefícios previdenciários e assistenciais, que são os responsáveis pela expansão da despesa pública federal nos últimos anos e também pela expansão da demanda e do PIB brasileiros.
É claro que investimentos em infra-estrutura são importantes para ampliar não somente o PIB corrente como também o potencial, mas elevar a poupança pública (ou tirá-la do negativo) não garante, por si só, que tais investimentos serão concretizados, como vimos no passado recentíssimo. É possível que a poupança pública só se torne positiva, por exemplo, com o maior crescimento da economia brasileira e dos investimentos, subvertendo a ordem dos fatores da teoria convencional. Esperemos para ver nos próximos anos o que ocorrerá.
PS: Lembrando que a taxa de poupança é expressa em proporção do PIB, de modo que posso elevá-la não pela ampliação da poupança, mas sim pela redução ou estagnação do PIB. Como o inverso também é verdadeiro: posso ter um tal círculo virtuoso que a poupança cresce significativamente, mas igual ou pouco menos do que o PIB, de modo que a taxa permanece estável ou em leve queda.