Este blog tem por objetivo divulgar as idéias e as pesquisas do economista Sérgio Gobetti e criar um espaço para o debate em torno de vários temas relacionados à política econômica e às finanças públicas brasileiras.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O que explica a dívida pública? Déficit ou...

Os manuais de economia costumam dizer que a dívida pública cresce quando o governo incorre em déficits. O raciocínio é simples: se eu gasto mais do que arrecado, preciso me endividar para cobrir o buraco. A emissão de títulos públicos é o mecanismo pelo qual o governo se financia: o banco compra um título do governo e, em troca, recebe o pagamento de juros por esse título.
O que os manuais não costumam ressaltar é que a dívida pública não se presta apenas ao financiamento de déficits. Ela também pode servir para a política monetária e para a política cambial.
Como pode servir para a política monetária? Quando o BC quer retirar reais de circulação da economia, ou porque acha que existem pressões inflacionárias ou porque simplesmente os bancos estão com sobra de dinheiro, ele emite títulos públicos. São as chamadas operações compromissadas. O BC troca títulos por reais, e a Viúva paga os juros.
E a política cambial? Quando o governo quer tentar evitar uma apreciação da taxa de câmbio (queda do dólar), ele vai ao mercado comprar dólares. Mas com quais reais compra esses dólares. Com os reais obtidos novamente por meio de operações compromissadas. A Viúva, mais uma vez, é que paga.
Bem, mas o que tem ocorrido no Brasil nos últimos anos? Os dados do BC mostram que a dívida pública interna cresceu de R$ 506 bilhões em 2001 para R$ 1,86 trilhão em 2009. A expansão da dívida foi, portanto, de R$ 1,36 trilhão.
Qual foi, no mesmo período o déficit nominal do setor público, ou seja, o déficit total, incluindo o custo dos juros? De acordo com o mesmo BC, o déficit foi de R$ 619 bilhões, ou seja, menos da metade da expansão nominal da dívida interna (lembrando que parte dos juros embutidos nos R$ 619 bilhões não se deve também ao componente fiscal).
O resíduo não explicado pelo déficit é de nada mais nada menos do que R$ 736 bilhões. A explicação para isso deve ser buscada, portanto, em outras esferas da política econômica que não a fiscal. É verdade que existem as chamadas operações para-fiscais do Tesouro, como as recentes operações com o BNDES, mas elas não explicam nem 20% dos R$ 736 bilhões.
A explicação tem de ser buscada nas políticas monetária e cambial, que fizeram as operações compromissadas crescer de algo próximo de zero em 2001 para R$ 454 bilhões em 2009. Ou seja, a dívida tem crescido não porque os gastos públicos crescem mais do que as receitas (o superávit primário acumulado desde 2002 soma R$ 567 bilhões), mas porque o BC passou a emitir títulos para conter a liquidez da economia e para comprar dólares.
As reservas cambiais são ativos do governo, mas seu rendimento é muito inferior (quando não negativo) ao que o governo paga de juros pelos títulos no mercado. O próprio BC explicita em seus balanços o custo de manutenção das reservas desde 2003. Este blogueiro teve o trabalho de abrir um por um dos balanços e eis qual resultado encontra: R$ 175 bilhões de prejuízo acumulado desde 2003 por conta das reservas cambiais.
Não estou discutindo aqui até que ponto era necessário adquirir reservas, nem se isso serviu ou não para controlar a taxa de câmbio. Como também não estou discutindo aqui se o BC não exagera em atender as demandas dos bancos por títulos públicos. Essa é outra conversa. Mas saibamos o custo dessas políticas, assim como sempre somos lembrados do custo de outras políticas públicas que implicam aumento de gasto.

5 comentários:

  1. Excelente. Reproduzi e indiquei no meu blog (rudaricci.blogspot.com).

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  2. Caro Gobetti, o que não sabemos calcular o custo que seria não ter reservas:

    Ricardo

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  3. Caro Gobetti, muito interessante saber que a formação de reservas até agora já nos custou quase US$ 100 bilhões. Ou seja, para acumular os atuais cerca de US$ 250 bilhões, ja oneramos em outros US$ 100 bilhões a dívida pública. Mas o fato de que o governo gasta mais do que arrecada é o princípio de tudo. Ok, o Tesouro se endivida para que o BC forme reservas. Mas porque formamos reservas para defender a moeda? Justamente porque nos falta mais superávit fiscal, não é mesmo?

    E se de um lado a emissão de títulos é usada também como instrumento de política monetária, será que a política fiscal expansionista em gastos correntes e reduzida nos investimentos públicos também não explica parte do problema, adicionando água na fervura da pressão inflacionária?

    Ou seja, entendo que a evolução da dívida pública é um problema eminentemente fiscal.

    Mateus

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  4. Na origem (começo dos anos 80), Mateus, podemos admitir que a dívida foi causada pelo acúmulo de déficits, embora também houvesse naquela época o componente quase-fiscal, ou melhor, a estatização das dívidas privadas externas. O Estado socializou as perdas privadas...
    Hoje, entretanto, o que quero destacar é que existem outras dimensões tão ou mais importantes para a evolução da dívida. Não acho que formamos reserva para defender moeda prioritariamente. Essa pode ser a explicação oficial, porque o BC não admite que tenta intervir no câmbio. Outra coisa: as compromissadas cresceram mesmo no ano de crise de liquidez (2008/2009), quando não havia pressões inflacionárias, simplesmente porque os bancos queriam uma aplicação lucrativa para o dinheiro liberado pelo compulsório.
    No caso da política fiscal, nosso superávit é absolutamente compatível com uma trajetória de queda da dívida líquida, mesmo com juros estratosféricos como os nossos... outra coisa é a qualidade do superávit fiscal, que no passado recente foi cumprido com aumento de carga e corte de investimento... mas acho que isso mudou nos anos mais recentes. O investimento público tem crescido a cada ano, embora ainda esteja em patamar baixo comparado com outros países e nosso passado. Já o crescimento do gasto corrente está ligado na esfera federal principalmente ao custo do nosso welfare-state, que implica considerável soma de transferências monetárias, em sua maioria indexadas ao salário mínimo e, indiretamente, ao PIB.
    Independente dos dilemas que isso impõe, não acho que seja justificativa para termos a taxa de juros que temos. Basta olharmos para o resto do mundo e vermos outros países com situações fiscais semelhantes. A menos que pensemos que somos uma jabuticaba.

    PS: o custo de R$ 175 bilhões das reservas é em juros, porque em dívida ele responde pela maior parte do estoque de compromissadas.

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  5. Gobetti,boa noite!

    Gostei da sua abordagem e de um novo blog de economia no "mercado". Parabéns! O tema é provocante e como sempre acontece na economia,temos lições e versões para os dois lados da mesma moeda.

    João Melo, direto da selva amazônica!

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