Este blog tem por objetivo divulgar as idéias e as pesquisas do economista Sérgio Gobetti e criar um espaço para o debate em torno de vários temas relacionados à política econômica e às finanças públicas brasileiras.

domingo, 28 de março de 2010

Alguns pontos do debate

Cara amiga Lucieni, fico muito contente e agradecido com todas as suas colocações sobre a polêmica dos royalties. São posições bem fundamentadas como as da Lucieni, uma carioca da gema, que enriquecem o debate e permitem que a gente vá construindo um consenso. Vou destacar, portanto, alguns pontos de concordância e discordância:
1. Concordo que o principal foco do problema da distribuição de royalties está na esfera municipal e que poderíamos ter começado as mudanças por aí, mas infelizmente o governo estadual do Rio fez uma aliança com os municípios petrorentitas (Campos e cia) para que nenhuma regra atual fosse alterada.
2. Concordo também que se faça uma discussão mais ampla sobre outros royalties e inclusive sobre o ICMS, mas não acho que devamos esperar por uma reforma ampla que nunca ocorre e deixar de fazer as mudanças possíveis neste ano. Como não achava que devíamos ter desistido de aprovar a reforma tributária em 2009 só porque ela não era a ideal. As oportunidades aparecem e nós continuamos desperdiçando.
3. No caso do ICMS, além disso, acho que a mudança almejada é no sentido de torná-lo um imposto puramente sobre o consumo e não o contrário, como pleiteia o RJ. O justo e usual em todo o mundo é que impostos tipo IVA sejam aplicados sobre o consumo e retornem ao local onde vivem os cidadãos que pagaram por eles.
4. Por outro lado, há um mito sobre a magnitude das perdas do RJ com o ICMS dos combustíveis. Isso porque o RJ não é hoje o maior produtor de combustível e sim SP. Uma coisa é extração de petróleo, que não gera ICMS; outra é produção de combustível, esta sim tributada.
5. Outro problema é que, embora o ICMS dos combustíveis seja dos estados consumidores, o valor adicionado dos municípios com refinarias é o critério para divisão do ICMS entre as prefeituras, o que acaba reforçando a concentração de recursos em alguns municípios que também recebem royalties. O critério de distribuição do ICMS entre os municípios é tão ou mais grave que o dos royalties - vide Paulínea (SP).
6. É verdade que as práticas de má gestão não são prerrogativa de municípios bem remunerados com royalties ou com ICMS, mas o excesso de receitas pode sim incentivar o desperdício e a corrupção. Não sou eu que estou inventando isso. Existe toda uma literatura econômica internacional sobre isso, inclusive usando o case do Brasil (ver o recente paper da Fernanda Brollo com Roberto Perotti e o Guido Tabellini sobre "The Political Resource Curse"). E mais do que literatura: Campos é a prova viva disso.
7. As suas colocações sobre os critérios de aplicação dos royalties são muito importantes e de fato, como o Mateus Bandeira também havia assinalado em e-mail para mim nesta semana, esta é uma questão que não está se discutindo na atualidade. Eu acho que, embora parte dos recursos dos royalties devessem ser redistribuídos entre todos, a maior parte da receita hoje reservada a estados e municípios deveria ser destinada a um fundo nacional, como ficou definido para as receitas da União.
8. Porém, tenho dúvidas sobre a validade de se continuar proibindo o gasto dos royalties em despesas de pessoal. O espírito da proposta (incentivar investimentos) é correto, mas o resultado não deu muito certo. Além disso, se construímos escolas com os royalties, precisamos contratar professores e comprar material escolar. O problema é evitar desvios para outros gastos correntes "improdutivos".
9. Assino embaixo de suas críticas ao modo como os royalties estão sendo utilizados pelo governo do RJ, cobrindo despesas com inativos e pensionistas e não sendo capitalizados pelo fundo de previdência. Mas esse é o problema: o RJ tornou-se dependente em demasia dos royalties e hoje não pode sobreviver sem eles.
10. Isso é que está errado. Recomendo a todos lerem uma monografia do Nelson Leitão, auditor da Receita, que foi premiado pela Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro em 2009 por um trabalho sobre o gap tributário do ICMS, onde ele mostra como o RJ é um dos estados que menos explora as suas bases tributárias convencionais (excetuando combustíveis, energia e comunicações). Ou seja, a fartura de royalties fez os últimos governos do RJ a exagerarem nos benefícios fiscais, descuidando de sua arrecadação própria ou concentrando todo o esforço arrecadatório nas três bases mencionadas.

2 comentários:

  1. Gobetti: Eu não discordo de você. Gostaria muito de poder defender a aplicação de royalties com pagamento de pessoal.

    Sinceramente, essa é uma equação para qual não consigo vislumbrar uma solução, confesso que já tentei, mas não consigo quando olho para o futuro. É como o FUNDEB, no momento que acabar, diversos Municípios não conseguirão suportar as despesas com pessoal, o artigo 60 do ADCT me parece um transitório que se tornará permanente. A partir da EC 53, a União passou a injetar uma grande quantidade de recursos e não sei se os Municípios terão como se sustentar sem tais recursos, que boa parte é vinculada a pessoal (60%)
    Mas o FUNDEB pode ser menos transitório do que royalties, pois o FUNDEB decorre de impostos, mais perenes. Imagine se o legislador permite aplicar royalties em pessoal e depois, por algum fator, esses recursos tornam-se escassos. O que fazer? Como solucionar o problema de ordem financeira? A União terá de pagar a conta de Estados e Municípios?

    Se os royalties do Rio de Janeiro forem reduzidos ao patamar que vem se anunciando, as finanças serão comprometidas, os limites de pessoal dificilmente serão cumpridos. E então, como equacionar essa situação que é real?

    Parte do problema da proibição de aplicar royalties com pessoal foi resolvida, com a permissão de destinar o recurso para capitalização do RPPS, o problema é que gestor não pode ver dinheiro aplicado, ele precisa gastar na sua gestão, e aí poucos fazem uma capitalização de fato, a maioria tende para uma ação mais imediatista. Se o recurso fosse mesmo destinado à capitalização, cuja operação deveria ser acompanhada de uma avaliação atuarial para que uma massa fosse destacada do deficit e passasse a ser coberta pelo recurso capitalizado, tudo bem, mas não é isso que me parece ser feito.
    Quanto ao ICMS, confesso que não sou especialista em tributação, acho apenas que precisa haver um debate mais amplo no ambito da reforma TRibutária, que está parada, não só do ICMS. Estudos mostram que a partilha do FPE e FPM não está boa. O Governo engendrou aquela manobra do Auxílio Financeiro da compensação do ICMS nas exportações retirando na marra coeficiente de Rio, São Paulo e MG e concedendo a outros Estados. Há decisão do TCU sobre o tema, assim como uma Representação de um Procurador Regional da República denunciando a manobra, mas nada foi feito até agora no âmbito do STF.

    Quanto ao DF, sou uma crítica contundente da quantidade de recurso que a União destina ao DF.
    Se há concentração nas finanças estaduais, o que podemos dizer das finanças distritais? Se há concentração de royalties nas finanças do Estado do Rio de Janeiro, pelo menos essa concentração serve a 16 milhões de habitantes. Muito pior, na minha avaliação, é a concentração de recursos federais no DF, que dispõe de apenas 2,5 milhões de habitantes. Mas contra esta segunda concentração não vejo reclamações nem discussões acaloradas, mesmo diante dos maiores escândalos com direito à transmissão na TV.
    Mais uma vez, obrigada pela atenção.
    Lucieni

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  2. Lucieni, esqueci de falar sobre o fundo constitucional do DF, mas também acho uma grande vergonha. Tenho batido no fundo do DF há alguns anos. A gatunagem que vemos no DF também é explicada por ele. A tal tese da fartura por trás da corrupção. E também nesse caso há uma união de todos os partidos para manter o privilégio, porque as pessoas tendem a ser bairristas, acham que o melhor para seu estado é enriquecer seu estado e não fortalecer a nação. Foi essa visão que também influenciou a guerra fiscal, mas deixo esse assunto para outro dia. Até porque, nesse caso, vou comprar uma briga feia com meus conterrâneos gaúchos, com aqueles que até hoje acham que o Rio Grande agiu certo distribuindo benefícios fiscais.

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