Este blog tem por objetivo divulgar as idéias e as pesquisas do economista Sérgio Gobetti e criar um espaço para o debate em torno de vários temas relacionados à política econômica e às finanças públicas brasileiras.

sábado, 29 de maio de 2010

Os candidatos e o senso comum

É incrível o que a eleição (e a pressão do senso comum) não fazem com os candidatos. Na sabatina desta semana que passou na CNI, até a candidata Marina Silva saiu-se com a seguinte declaração: “Em política econômica não defendemos aventura, não podemos abrir mão da estabilidade econômica conquistada nos últimos 16 anos. Manter o câmbio flutuante é fundamental. É preciso pensar que o que fez o Brasil atravessar a crise foram o câmbio e as reservas. Também vamos dar continuidade às políticas de controle da inflação, que hoje é feita apenas com controle de juros e não com redução do gasto público", enfatizou.
Em resumo, a candidata do PV engrossou o coro à favor da manutenção do famoso tripé de política macroeconômica: câmbio flutuante, metas de inflação e "responsabilidade fiscal". Respeito quem acha que esse tripé virou cânone da economia, apesar de discordar, mas é triste ouvir essas coisas sendo repetidas por candidatos que, conhecedores ou não do assunto, falam qualquer coisa para agradar o mercado.
Respeito muito a trajetória da senadora Marina Silva, já tive oportunidade de escutar dela própria suas histórias de vida, mas não posso deixar de registrar meu desconforto de ver - principalmente uma pessoa como ela - fazer esse jogo. Não que seus adversários também não façam parecido.
Nas últimas semanas, Dilma também tem se esforçado para agradar ao mercado e disse que manterá o superávit primário em 3,3% do PIB para manter a dívida em queda, logo ela que um dia (em 2005) comparou a dupla superávit primário elevado e juros altos a "enxugar gelo". Em 2005 como agora, se dizia que era preciso aumentar o superávit primário para impedir os juros de aumentar. Talvez não seja exatamente o que está se fazendo agora, mas os argumentos são mais ou menos sempre os mesmos...
Diz-se, por exemplo, que a elevação do gasto público está por trás do recente repique inflacionário, mas ninguém apresenta um diagnóstico bem elaborado e técnico dos determinantes da inflação, mostrando econometricamente qual o peso que a política fiscal tem sobre a inflação comparada a outros fatores que, provavelmente, são mais importantes mas mais difíceis de enfrentar.
Diz-se, também, que é preciso fazer superávit primário de 3,3% do PIB para reduzir o endividamento sem qualquer definição de qual seria a meta de endividamento que vamos perseguir e sem qualquer cálculo preciso sobre qual o esforço fiscal necessário para atingir tal meta. Um cálculo simples mostra que, mesmo com taxa real de juros em 6% ao ano, mas a economia crescendo a 5%, é possível reduzir a dívida em 10 pontos porcentuais do PIB com superávit de só 2% - bem abaixo, portanto, dos 3,3%. Mas o superávit primário não é reduzido para este patamar porque isso é incompatível com o nível de liquidez da economia aceito pelo BC e, mais uma vez, caímos na polêmica sobre juros e inflação.
PS: Não citei Serra, mas evidentemente sua posição sobre o gasto público também reproduz o senso comum, apesar de suas críticas ao BC e ao câmbio.

7 comentários:

  1. Sérgio,

    Não me lembro se já havia escrito algum comentário em teu blog. Se não o fiz, faço isso, agora, com este elogio: vi uma entrevista tua num programa da Band e então vim dar aqui neste espaço; ambos de alto nível, cá tenho encontrado posições bem embasadas, ponderadas e escassas no debate nacional. Eu te parabenizo e agradeço por tal iniciativa.

    Cordialmente,

    Vinícius Portella.

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  2. Obrigado Vinícius. Deixei o blog um tanto abandonado nos últimos dois meses, mas tentarei retomar o ritmo aos poucos. Abraço.

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  3. Tomara, Sérgio, que consigas retomar o ritmo.

    Um forte abraço!

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  4. Sérgio,

    Permita-me só um breve comentário sobre este preconizado tripé.

    Mantendo a analogia, quando observo nossa política econômica vejo apenas duas pernas encostarem o chão, enquanto que a terceira apenas balança e desequilibra. Como num andar de um cachorro com uma perna quebrada, a qual não se movimenta por força própria, mas em decorrência do movimento das demais. Já deve saber a que perna me refiro?

    Este câmbio aí posto não é flutuante, pelo menos não no sentido tão defendido por Roberto Campus. Ele durante décadas defendeu, como um lobo solitário numa terra de insensatez, uma outra taxa, com um distinto conceito de flutuação. Uma que serviria como preço regulador e equilibrador das transações correntes de nosso País. Esta, que vemos hoje, se movimenta mais como conseqüência das demais pernas que dos desequilíbrios entre importações e exportações. Ou seja, ela é decorrente do movimento de capital originado pela enorme diferença entre as taxas domésticas de juros e as taxas internacionais, diferença que não é mais representativa de uma percepção de risco maior no Brasil que no resto do mundo. Já me referi a isto em seu Blog quando a discussão era sobre as reservas cambiais, mas vale repetir porque o óbvio nem sempre é levado em conta. Tenho certeza que se Campus estivesse vivo, diria que não era isso que queria dizer com taxa flutuante.

    Não vou nem discutir se o melhor é o referido tripé, mas acho que essa perna capenga vai, muito em breve, ser responsável por tropeços do Brasil, principalmente quando começar a correr (crescer), com alta dependência das importações.

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  5. Caro André, concordo que existem diferentes causas para o câmbio flutuar (ou, nos dias atuais, apreciar) e a maioria delas passa longe da balança comercial. O diferencial de juros e as perspectivas positivas da economia brasileira (aos olhos do mercado internacional) são algumas das principais razões que atraem capitais e isso se tornará ainda mais forte com a provável realocação de portfólios decorrente da crise européia. Por isso, acho necessária a revisão do paradigma do câmbio flutuante (e do tripé), com a introdução de mecanismos mais eficazes de intervenção no mercado de câmbio e de controle de capitais. O grande problema é que a desregulamentação do mercado financeiro internacional dificulta e ameaça a efetividade de controle por países isoladamente. O que torna cada vez mais importante a discussão internacional sobre o tema.

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  6. Gobetti,
    Você não acha que o câmbio tem sido utilizado como ancora para a inflação também? Um efeito indireto da alta taxa de juros que pode até ser tão efetivo quanto o direto. Digo isso porque temos visto uma brutal expansão do crédito mesmo com juros altos, o que seria um contraponto a efetividade dessa taxa no controle da demanda. Expansão de crédito, inclusive, totalmente baseada em poupança pública e poupança externa. Você acha que o atual desenho de política econômica incentiva um processo de desindustrialização, como tem alardeado o candidato Serra?

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  7. Desculpe o atraso na resposta, mas tenho hábito de só abrir o blog no final da semana. É claro que existem contradições na política macroeconômica e, por um lado, ainda bem que existem! Não acho que estaríamos melhor se estivéssemos aplicando uma política creditícia e fiscal apertada para acompanhar a monetária, como alguns defendem. É claro que o câmbio ajuda a controlar a inflação, mas até um certo ponto. Quando ele aprecia muito, como hoje, sua contribuição marginal para a inflação é mínima e seu prejuízo para o crescimento enorme. O Nelson Barbosa, da SPE, tem um paper interessante sobre isso, mostrando que você pode ter para o câmbio uma espécie de curva de Lafer. Mas eu acho um exagero falar em risco de desindustrialização, pelo menos por enquanto. Além disso, eu perguntaria: concretamente, o que o Serra faria de diferente na política cambial? Não estou falando do discurso, no qual cabe qualquer coisa. Falo de medida concreta. Me parece que todos os candidatos estão comprometidos com o dito tripé, com diferenças apenas de retórica.

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