A mídia e os analistas têm voltado à carga com críticas à baixa taxa de poupança do Brasil. A crença disseminada é de que o Brasil e os brasileiros (setor privado e público) precisam poupar mais (ou deixar de consumir) para investir e fazer o país crescer. É como um trabalhador que quer construir sua casa e se endivida. Se ele não poupar para pagar sua dívida, vai acabar tendo problemas...
O raciocínio é perfeito para um indivíduo, mas nem tudo que é correto para as finanças pessoais se aplica automaticamente a uma economia monetária como a capitalista. Uma empresa capitalista, quando pretende crescer, não deve necessariamente constituir poupança prévia - pode contrair empréstimos, se endividar, para investir e se expandir. Os seus investimentos financiados por dívida hoje é que gerarão os lucros e a poupança de amanhã. Como dizia o economista polonês Kalecki, o trabalhador gasta o que ganha e o capitalista ganha o que gasta.
Além disso, na economia capitalista, os agentes que poupam não são os mesmos que investem. De modo que o ato de poupar (ou de não gastar) não garante que haverá o correspondente investimento. Portanto, a alegada restrição de poupança para o crescimento não é trivial.
Mesmo nos países asiáticos, conhecidos por suas altas taxas de poupança e crescimento, não há suficiente evidência empírica em favor da tese de que a poupança causa o crescimento. Alguns estudos econométricos já realizados há algum tempo pelo economista Sebastian Edwards (ortodoxo, por sinal) mostram que a causalidade seria em sentido contrário: do crescimento para a poupança.
Independentemente da polêmica teórica, entretanto, é importante que baixemos à Terra para fazer a discussão. Será que, se aumentássemos a taxa de poupança no Brasil pela via do corte dos gastos públicos correntes (como defendido pela maioria dos analistas do mercado) obteríamos um maior crescimento? Provavelmente não, principalmente se o corte de gasto se aplicasse sobre os benefícios previdenciários e assistenciais, que são os responsáveis pela expansão da despesa pública federal nos últimos anos e também pela expansão da demanda e do PIB brasileiros.
É claro que investimentos em infra-estrutura são importantes para ampliar não somente o PIB corrente como também o potencial, mas elevar a poupança pública (ou tirá-la do negativo) não garante, por si só, que tais investimentos serão concretizados, como vimos no passado recentíssimo. É possível que a poupança pública só se torne positiva, por exemplo, com o maior crescimento da economia brasileira e dos investimentos, subvertendo a ordem dos fatores da teoria convencional. Esperemos para ver nos próximos anos o que ocorrerá.
PS: Lembrando que a taxa de poupança é expressa em proporção do PIB, de modo que posso elevá-la não pela ampliação da poupança, mas sim pela redução ou estagnação do PIB. Como o inverso também é verdadeiro: posso ter um tal círculo virtuoso que a poupança cresce significativamente, mas igual ou pouco menos do que o PIB, de modo que a taxa permanece estável ou em leve queda.
terça-feira, 15 de junho de 2010
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